Perseguindo o Sol

 Da poeira estelar que nos construiu, aos ingredientes cósmicos que nos sustentam, e a luz das estrelas que alimenta tudo.


África Oriental, é onde a conexão mais vital da vida com o universo  pode ser encontrada, e onde vive uma predadora muito especial chamada Wa Chini. A vida para um guepardo é uma busca interminável por comida e energia vital. E este é um dos lugares mais difíceis da Terra para um predador obtê-la. O Sol escaldante afugenta quase tudo nessas planícies secas e desoladas. Qualquer criatura que permanece aqui, luta para sobreviver. O único foco de Wa Chini, a única coisa que a motiva, é a fome. Este impulso simples e primitivo decorre de uma conexão profunda que ela tem com o ambiente que se estende além do Serengeti, além do nosso planeta, além até do próprio Universo.


A conexão com o Sol


Cada célula do corpo de Wa Chini está ligada a um fluxo de energia ancestral, que conecta sua vida ao coração de uma estrela. Este fluxo ininterrupto atravessa a imensidão do espaço, e remonta a 13,8 bilhões de anos.

A energia ancestral que existiu na origem do nosso Universo alimenta tudo, cada planeta, cada estrela, cada vida. Wa Chini está caçando energia. Mas não só para ela mesma. Mãe de dois filhotes de 5 meses, está desesperada para alimentar a família faminta. Na seca, a comida é escassa, mas apesar disso, a energia é mais abundante do que nunca. Está apenas escondida à vista de todos. O maior, mais brilhante e mais quente objeto do nosso sistema solar. O Sol. Enormes laços de plasma escaldante eclodem em sua superfície. Nosso Sol produz a energia de 4,5 trilhões de bombas atômicas por segundo, enviando mais energia ao nosso planeta em uma hora do que o planeta inteiro consome em um ano. Mas, por mais impressionante que esta bola de gás gigante seja, Wa Chini não pode se alimentar da luz do Sol. Ela só come coisas que correm, como uma gazela. Sua pelagem permite que se camufle na paisagem, mas com poucas opções para se esconder, Wa Chini tem um truque na manga. Os guepardos são os animais terrestres mais velozes do mundo. Atingem 100km/h em apenas 3 segundos. Mas as gazelas também são muito velozes. Wa Chini consome muita energia, mas não ganha nada. Um guepardo adulto pode sobreviver por mais de uma semana sem comer, mas os filhotes não mais do que alguns dias. E os dois estão ficando com muita fome. Caças em velocidades tão altas são extremamente esgotantes. As reservas de energia de Wa Chini estão perigosamente baixas. Levará horas até que ela tenha força para caçar de novo.


Animais de todo o planeta travam essa mesma batalha constante entre consumir e usar energia. Não importa sua estratégia, rápida ou lenta, sua próxima refeição nunca é garantida. A fome é uma coisa que todos nós precisamos superar.


Recuperada de sua última perseguição, Wa Chini está procurando sua próxima oportunidade. Como todas as mães guepardos, ela cuida sozinha dos seus filhotes. Para manter seus filhotes bem alimentados, ela precisa caçar todos os dias. Mas ela demorou tanto para se recuperar, que o Sol já está se pondo. À medida que a luz se esvai, o mesmo acontece com as esperanças dessa família de se alimentar.


Conforme a Terra gira, o Serengeti se afasta do Sol e entra na escuridão. É um lembrete poderoso da conexão da vida com o Sol.


A nossa história


Nossa história é a história do Sol. Há muito tempo, nosso sistema solar era ainda mais frio e escuro do que é hoje. E ainda assim eram as condições perfeitas para o nascimento de uma estrela. Em temperaturas próximas ao zero absoluto, a força da gravidade começou a juntar poeira e gás, em uma nuvem massiva. Essa nuvem entrou em colapso, se transformando em uma bola de gás quente e brilhante, uma protoestrela. Assim como Wa Chini, esta estrela em formação tinha uma fome atroz, puxando muito gás e lançando jatos de matéria quente dos seus pólos, se estendendo-se anos luz no espaço. A jovem estrela continuou a crescer por 30 milhões de anos. Até que finalmente, ficou quente o suficiente para gerar energia por conta própria.


O nosso Sol.


Seus raios dourados agora resplandecem e brilham de modo constante, por 4,6 bilhões de anos. É apenas uma estrela em uma galáxia de bilhões, e no entanto é a mais especial, porque é ele que fornece luz e calor a este planeta incrível e vibrante.


Todo o ser vivo no Serengeti depende do Sol para ter energia. Os filhotes de Wa Chini estão esgotados e famintos. Eles precisam comer hoje. Mas tudo o que Wa Chini pode oferecer essa manhã é amor e carinho. 


Nessa terra árida, nosso Sol dá e recebe. É sua energia ardente que a vida precisa, mas também tem o poder de destruir. Não é fácil viver tão perto de um reator nuclear gigante. Para entender a fonte desse calor insuportável, devemos olhar para o inferno.


Sob as camadas externas de plasma quente borbulhante, a 650 mil quilômetros abaixo do núcleo do nosso Sol, em direção ao coração da nossa estrela, parece surpreendentemente calmo, mas em um nível atômico, é puro caos. Essa é a parte mais quente do nosso sistema solar. As temperaturas aqui chegam a 15 milhões de graus célsius, criando condições para um evento que não acontece em quase nenhum outro lugar. Os átomos colidem em alta velocidade e se fundem, liberando energia pura. Esse processo é chamado de fusão nuclear, e é o que faz o nosso Sol brilhar. Na verdade, é o que alimenta todas as estrelas do nosso Universo.


A energia do Sol


Essa energia liberada pelas estrelas, remonta ao início dos tempos, quando não havia matéria, e tudo o que existia em todo o Universo era energia. E cada pedacinho disso  continua vivo em nosso Universo hoje.


À medida que a luz do Sol atinge o Serengeti, a energia que flui há 13,8 bilhões de anos, chega a Wa Chini e aos seus filhotes e continua sua jornada pelo ambiente. Ela nunca é criada ou destruída. É simplesmente transformada, infinitamente. Mas Wa Chini e seus filhotes só podem acessar essa energia  de uma forma, se alimentando.


Existem predadores rivais que podem roubar não somente sua comida, mas também seus filhotes. Se eles não se alimentarem logo, vão morrer. Wa Chini pegou um coelho. É um pequeno lanche, mas após dois dias sem comida, é uma salvação. O esforço de Wa Chini para sustentar sua família se repete dia após dia, mês após mês. Cada refeição é uma luta.


Na batalha entre usar e obter energia, Wa Chini está somente empatando. A seca é definida pela fome constante. Mas a mudança está no ar. O calor do Sol puxou a umidade do solo para o céu. E o que sobe, uma hora tem que descer. As chuvas varrem as planícies, e encerram a estação da seca. E conforme as nuvens se dissipam, surge um vislumbre de esperança.


Uma única folha de grama não pode alimentar a família de Wa Chini, mas nas profundezas de suas células está a solução para a fome deles. Nas folhas, há um mundo escondido. Pilhas microscópicas, chamadas de grama, absorvem os raios quentes do Sol. Sua superfície é coberta por uma minúscula floresta de proteínas coletoras de luz que captura a energia de nossa estrela mais próxima. Elas estão cheias de pigmentos verdes de clorofila, que absorvem os raios de luz. Através da magia da fotossíntese, a água se combina com o dióxido de carbono, e os raios solares são transformados em açúcar.


Em questão de dias, as planícies de outrora ressecadas, ficam verdes. Bilhões de folhas de grama absorvem a inesgotável luz do Sol. E a energia do Universo se entranha na paisagem. Só há um problema. Guepardos não comem grama. 


Mas, um pouco mais distante, nas florestas do norte, existem criaturas que comem. Centenas de milhares delas, os gnus. Eles têm bocas largas, lábios flexíveis e quatro estômagos perfeitamente adaptados para comer grama. Os enormes rebanhos vivem em constante movimento em busca de pasto fresco. Para encontrar a relva, eles seguem a chuva. Movidos como todos nós, pela fome.


Mas se existe uma regra no Serengeti, é que a comida nunca vem fácil. Rio Mara, lar de um dos maiores crocodilos da Terra. É um obstáculo perigoso na busca dos gnus pela energia vital.


Ao sul, Wa Chini passa cada momento disponível vasculhando as planícies em busca de comida. Depois de seis meses, sobrevivendo com uma dieta escassa, um de seus filhotes conseguiu crescer. E está aprendendo algumas habilidades de caça por conta própria. Mas o outro filhote está escondido em outro lugar. Só 5% dos filhotes de guepardo chegam à idade adulta. A maioria perde a vida para leões e hienas famintos. O futuro desse filhote está longe de estar assegurado. Mesmo quando a energia está tentadoramente próxima. 


Reunidos às margens do Rio Mara, os gnus não têm para onde ir, a não ser, seguir adiante. Mas alguém precisa ser o primeiro. A batalha entre usar e consumir energia se desenrola em uma escala épica.


Agora eles precisam viajar centenas de quilômetros, dia e noite por mais de dois meses para chegar às planícies gramadas.

Wa Chini aguarda ansiosamente a chegada dos gnus. Mas tem outra migração ocorrendo que é fundamental para a sobrevivência de ambos os animais. É uma jornada insondável de distância e tempo. Sem ela, todos do Serengeti passariam fome.


O caminho da energia


No núcleo do Sol, conforme os átomos colidem e se fundem, os fótons são liberados e fluem para fora. Esses pequenos pacotes de energia luminosa tem massa zero, e viajam na velocidade de luz. Mas dentro do núcleo incrivelmente denso, eles são contidos, absorvidos, dispersos. Uma viagem que normalmente levaria dois segundos, pode levar um milhão de anos. É uma luta tortuosa para escapar do Sol. Porém, lentamente os fótons sobem, e atravessam pelas camadas do Sol em direção à superfície quente e furiosa, onde podem finalmente ser libertos. Eles irradiam em todas as direções, como a luz das estrelas. Viajando 150 milhões de quilômetros em pouco mais de oito minutos, chegando bem a tempo de encontrar os Gnus no final de sua jornada.


Cada folha de grama absorve dez quatrilhões de fótons a cada segundo, capturando energia suficiente para alimentar esses enormes rebanhos. Da estrela, até a grama, até os gnus, a luz do Sol agora lhes dá energia para se movimentarem, crescer, e se reproduzir.


E quanto mais tempo eles ficam na planície comendo, mais tempo estão disponíveis para serem comidos. A energia rica, deliciosa e abundante está finalmente a uma curta distância.

Porém, com três milhões de olhos assistindo, Wa Chini precisa ser rápida. Felizmente ela é uma guepardo fêmea, e um gnu não é páreo para a sua velocidade.


Finalmente Wa Chini sente o gosto da luz estelar. A cada mordida, proteínas de gordura impregnada de energia cósmica entram na corrente sanguínea de Wa Shini. O destino final são as usinas de energia celular do seu corpo, as mitocôndrias, onde a última transformação acontecerá. Dentro de cada mitocôndria, há uma paisagem perfeita. Cânion de membrana ondulante com química complexa. É aqui que o alimento rico em energia reage com o oxigênio, e é finalmente quebrado, liberando a energia do Universo diretamente nas células de Wa Chini, alimentando cada ação e pensamento, cada pequeno movimento. A jornada da estrela à célula está completa. A energia que uma vez iluminou o universo agora da a Wa Chini e seu filhote, o presente da vida. Na estação verde, a fome é só uma lembrança.


Em todo o Serengeti, a energia é constantemente transformada, passando de uma vida para a outra, nutrindo todo o ecossistema. Nosso Sol é o nosso maior provedor. Tudo se alimenta da luz das estrelas. O problema é: Não existe nada para alimentar o Sol.


O Sol também morrerá um dia


E em cinco bilhões de anos, ele vai ficar sem combustível. À medida que seu núcleo entrar em colapso, o Sol irá se expandir, e se irá transformar em uma gigante vermelha que vai devorar os planetas mais próximos, Mercúrio e Vênus. E à medida que for se expandindo em direção à Terra, a gravidade extrema destruirá a Lua em pedaços, deixando um anel de rocha lunar ao redor da Terra.


O destino final do nosso planeta é desconhecido. Mas haverá um último nascer do Sol antes que as camadas externas de nossa estrela explodam, dando o seu último suspiro. Tudo o que vai restar, é uma brasa moribunda, uma anã branca, quase do tamanho do nosso planeta, cercada por uma vasta nuvem brilhante. Um farol para o Universo, onde um dia estivemos.


Mas no momento, a nossa estrela continua a brilhar sobre nós, e vai brilhar por bilhões de anos. Sua energia é uma força vital para toda a vida.


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